quarta-feira, 26 de novembro de 2014

O vil metal

"Um nevoeiro descomunal atingiu o nosso País. Suponho que aconteceu a partir de Domingo passado, próximo. Essa massa que cobre o sol, não deixa ver nada, excepto a letras enormes a palavra SÓCRATES..."
Todas as preocupações que andavam de boca em boca, perderam sentido de oportunidade e foram adiadas sine-dia, com certa razão. Agora é Sócrates o tema, e toda a gente dá palpite.
Já ouvi de tudo; desde pessoas emocionadas de verdade, a reprimirem lágrimas por o sentirem uma vitima, a outras que situando-se na idade média lhes agradava que fosse morto e esquartejado... Outros ainda confessam-se contentes!
Contentes, que mentalidade...
Como pode algum português sentir-se contente, ao saber desta vergonha? - Lembrar-se que teve por chefe do Governo, um homem que em vez de ser íntegro, actualmente está preso e acusado de fraude, corrupção, e outras coisas do género. Jurou pela honra no acto de posse, tudo fazer por Portugal...

Não é caso para regozijo, isto só demonstra a miséria de valores humanos a que chegámos.

Parafraseando o grande Poeta, mas em sentido inverso, eu escrevo:-

Desgraçada Pátria, que tais filhos tens...




A foto foi só para amenizar, talvez proporcione um pálido sorriso...

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

O Sr. Prior

Naquela semana a aldeia andava toda atarefada. Em boa verdade não era a aldeia mas sim os residentes, é que estava a chegar o dia da festa de Nossa Senhora. As raparigas que habitualmente cuidavam da Igreja, nesta altura redobravam de capricho para que no dia da festa tudo estivesse perfeito. O soalho lavado, as toalhas dos altares branqueadas e engomadas, e flores em todas as jarras.  Outro grupo ia procurar verduras, algumas aromáticas para  espalhar na rua por onde iria passar a procissão. E os mordómos encarregavam-se da aquisição dos foguetes, e do resto dos pormenores.

A festa começava com o têrço e sermão à noite na véspera, e no Domingo havia missa cantada e procissão. Era também a festa das crianças que nesse dia faziam a primeira comunhão; comunhão solene assim se dizia. Iriam vestidas de branquinho, vestidos vaporosos compridos, véus de tule e florinhas a pender-lhes da cabeça. Os meninos de fato escuro e laço de seda branca suspenso da manga do casaco; tudo fatinhos modestos, mas uma ternura!

De casa do Sr. Prior ia o pequeno almoço para as crianças, que para comungar estavam em jejum desde a meia noite até ao fim da missa. Comiam na sacristia em alegre convívio, onde eram colocadas mesas com loiças suficientes, não só para as crianças mas também para as familias que as acompanhavam; o meio era pobre, e o sr. Prior sabia disso.

Ele "apertava" com a governante: - Ó Júlia já amassaram as broínhas ? Não se esqueceram de lhe pôr as nozes, pois não? E os pinhões, e... Mas não chamou a mulher do Toníto para a ajudar, porquê? Ainda se vai atrasar...
A  Júlia veterana no assunto, estava tranquila; - descanse sr. Prior que tudo vai estar pronto a horas. -Claro que a chamei, já cá esteve a trabalhar e agora só foi a casa, e daqui a pouco voltará para pôr o lume ao forno.
- Espero que sim!  Já sabe que eu quero broínhas e café com fartura! Não quero ninguém a olhar!

-Está tudo tratado, não se apoquente e não me apoquente a mim. Ainda agora daqui vai o Ti Augusto das ovelhas, com o apontamento dos litros de leite que são precisos para amanhã de manhãsinha.
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Os pais do padre Matias possuíam muitas terras. Nesse tempo, quem tinha muitas terras era rico.
Tinham dois filhos, um foi para a Universidade, estudou Direito, e foi Advogado, e depois Juíz.
O irmão foi para o Seminário, é o Padre Matias.
Depois de rezar a primeira missa, veio para a sua aldeia viver o sacerdócio, e em simultâneo administrar os bens que havia herdado dos pais, entretanto já falecidos.

Também ele ficou rico; tinha casa, vinhas, e terras de semeadura; e pessoas a trabalhar para ele ao longo do ano. Era extremamente bem disposto; não raro ia até junto dos trabalhadores e fazia-os rir com as suas adivinhas...
Conhecedor da pobreza existente na sua aldeia, era muito generoso, quem lá fosse a casa tinha de comer; nunca perguntava se queria... apenas dizia;- ó Júlia não tem aí nada, peixe frito, ou bacalhau, e um copito para este ou esta fulana?! E logo de seguida -sente-se, para comer qualquer coisa!
Ela tinha sempre, e se mais não fôsse, broa, azeitonas e sopa nunca faltavam.
Não cobrava dinheiro algum, aos seus paroquianos. Todos os serviços religiosos necessários ele fazia de boa vontade, e não queria dinheiro. Mas aos lavradores ele fazia uma exigência; queria uma galinha como folár na Páscoa. E argumentava;- num ano vocês têm tempo de sobra para criar uma galinha para mim... Ele tinha criação no galinheiro, não tinha necessidade, mas queria aquele presente...
O Sr. Prior merecia, ele era um amigo, e o seu desejo era cumprido.
Assim, ninguém sequer se atreveu a censurá-lo quando constou que a Dª Júlia não era só governante, era algo mais...  Ela tinha vindo da cidade que ficava a uns 50 km (naquela altura era longe) era educada, e comunicativa, e não tardou a ser "adorada" por toda a gente da aldeia. Com o passar do tempo já lhe chamavam a Dª Júlia do Padre; mas de modo natural, nada de depreciativo. E assim o tempo ia passando no maior sossego.
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O sr. Prior achou que ela devia arranjar uma empregada doméstica. Fez mesmo questão; uma criada de servir, (era assim que se dizia) iria proporcionar-lhe mais descanso, e também seria uma companhia, até porque o sr. Prior não parava em casa. Ela achou bem e procurou.

A Florência começou a trabalhar lá, no principio do mês seguinte. Não sabia fazer quase nada, mas a Júlia, boa pessoa, ensinava-a com bom modo, e ela aprendia  com facilidade. Era muito dócil e alegre, não tardou que se tornássem a equipa perfeita, apesar de alguma diferença nas idades.

E tudo estava na maior paz, quando a Júlia, alta noite, lhe pareceu ouvir uns rumores estranhos no piso superior da casa, onde ficava só o quarto da Florência.
Apurou mais o ouvido, e nada, só silêncio...
-Que Deus me perdôe, murmurou para si, e daí a pouco adormeceu.
Mas numa das noites seguintes, já não teve dúvidas. Ali havia mesmo pela calada da noite "romaria de pé descalço..." Um misto de revolta e mágoa tirou-lhe o sono.
De manhã chamou a Florência, falou-lhe com brandura, e a pobre môça em pranto, só lhe pedia segredo, e que não a despedisse. Teve pena dela, choraram as duas, num só abraço.
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A Júlia era boa cozinheira, e o sr. Prior um bom garfo. Gostava de caça. Ele próprio era caçador, e quando lhe apetecia, lá ia ele de espingarda ao ombro calcorrear os montes à procura  dum coelho bravo, ou duma perdiz...
Naquele dia regressava ele feliz com dois coelhos, quando ao entrar em casa se deparou com a Júlia bem vestida, sentada na saleta, e duas malas no chão a seu lado.
Prevendo algo desagradável perguntou.
- O que é isto?
A Júlia levantou-se e com a calma que conseguiu reunir, respondeu:
- Estava à sua espera, para lhe dizer que me vou embora. E isto porque lhe tenho respeito, porque se assim não fosse, tinha ido sem lhe dar nenhuma satisfação. Sabe do que estou a falar, não preciso de lhe dar pormenores.
O sr. Prior engoliu em sêco, porque não entendia nada - espere, eu quero...
Ela não esperou.
-Adeus!
Pegou nas malas e saiu. Ia voltar prá sua cidade.

Sentada na carruagem quase vazia, no combóio que saira da estação aos solavancos, a Júlia olhava a paisagem sem a ver, só via a sua vida passada e presente. Sentia-se triste, e dizia para si - é bem verdade -"o amor não se vai buscar à Igreja..." não é um exclusivo dos casados.
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O padre Matias era alto, de boa figura e bom aspecto, mas foi a sentir-se pequeno que ele entrou na sala onde o sr. Bispo o aguardava.
Não tinha dormido nada na noite anterior, depois de ter recebido o recado para se apresentar com brevidade. A viagem de combóio foi lenta, desagradável. Encostado no canto do banco, e de olhos fechados, ele recordava o dia em que a prima Lurdes lhe apresentou a Júlia, para trabalhar na sua casa como governante.  No coração não se manda, e ele gostou logo dela. - Mas para que me havia de dar? dizia para si próprio.... É bem certo, na hora do diabo, não lembra Deus... E não lembra mesmo! Ora eu não podia ter procurado uma velha? E agora o que vou eu responder ao sr. Bispo, sim, porque eu já sei do que ele me vai acusar...

O Bispo recebeu-o com frieza, como ele previra, e de seguida informou-o da acusação que sobre ele caía  referente à governante, que com ele coabitava havia já muito tempo. (palavras do Bispo)
Por incrível que pareça, não se sentiu perturbado, e foi com muita calma que esperou as ordens do seu superior, que foram no sentido de mandar a Júlia embora de imediato.
- Sentiu-se gelar e respondeu com uma pergunta: - mandar a Júlia embora?
Mas, sr. Bispo permita  que eu explique; - neste caso pecaminoso que confesso verídico, estão envolvidos dois sêres. Qual deles terá a maior cota de pecado, a Júlia ou eu? A nossa doutrina só aponta o pecado no mais débil?  Então e o outro, o mais forte, está isento? Aceita-se o seu mau
procedimento  como normal ? Use, abuse e ponha fora, será esta a regra? Então a nossa doutrina manda-me jogar na valeta a mulher que eu próprio desencaminhei?
-O Bispo  olhava para ele com ar estarrecido, e nada dizia.
-Não me revejo na sua doutrina sr. Bispo. Confesso que fiz mal ! Mas não vou duplicar o mal que fiz. Não posso! E não devo, e nem quero. E deitando as mãos ao pescoço arrancou a identificação de Padre, aquela tirinha branca a que chamam cabeção. Pôs-se de pé, agora um tanto exaltado, aproximou-se do Bispo  ao mesmo tempo que lhe estendia "o objecto" e  em voz alta exclamou: - tome a coleira, não a quero mais!
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Alguns mêses depois, dois pares de noivos recebiam as bençãos matrimoniais no mesmo dia, na Igreja da aldeia, toda florida para a cerimónia:- eram eles, a Dª Júlia, e o Sr Matias.

E também a Florência e o Armando.
(o Armando era o maroto  que subia pela parreira, e entrava pela janela do quarto da Florência, altas
horas da noite...)

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Marcelo Caetano, Profeta?



Infelismente cumpriu-se a profecia.

domingo, 16 de novembro de 2014

Poesia antiga



SONETO

Um de meus bisavós foi mercador,
Outro foi de alfaiate oficial,
Outro tendeiro foi sem cabedal
E outro, que juiz foi, foi lavrador.

O meu paterno avô foi professor
De latim, que ensinou ou bem ou mal;
E o materno viveu no seu casal
De que inda agora eu mesmo sou senhor.

Meu pai médico foi, e homem de bem,
Minha mãe «dom» teria, porque enfim
Muitas menos do que ela agora o têm.

Abade eu fui; e se saber de mim
Alguma coisa mais quiser alguém,
Saiba que versos faço e faço assim.

(Paulino António Cabral)

sábado, 15 de novembro de 2014

Veio para ficar

Passaram três mêses e meio, sobre o dia em que o passarinho voou para mim... Hoje decidi fotografá-lo, como fiz quando ele chegou; e comparando as fotos vejo com agrado que já está maior.



Está bonito, não acham? Eu até estou vaidosa  com ele...

sábado, 8 de novembro de 2014

Os pinheiros

Na pequena aldeia toda a gente o conhecia, era o homem que tinha habilidade para tudo. Era chamado para podar as árvores de fruto, para empar as vinhas, varejar as oliveiras aquando da apanha da azeitona, e era ele também que passava noites e dias no alambique, a fazer a aguardente dos homens ricos da terra. Era até apontado como especialista para a qualidade daquela bebida.
Também era habilidoso com as madeiras, e quando nascia um bébé logo o "ti Manel" era encarregado de fazer o berço, e depois uma arquíta para arrumar a roupinha ... Não era obra fina, mas servia. Também quando os pratos de loiça ou as caçarolas de barro se partiam, ele consertava. Punha uns agrafos de arame rematados com cal; davam-lhe o nome de gatos. ( Quem se recorda disso, actualmente? Quase ninguém...)
Sabia ler, mas pouco tempo andou na escola. Quase menino ainda, começou a trabalhar na lavoura com os pais, e deles seguiu também o exemplo da honestidade, e do respeito a ter por toda a gente.
Assim cresceu e chegou à idade adulta, e era muito estimado.

O ti Manel mais a sua Maria até tinham uma vida jeitosa, muito trabalho e duro, mas viviam com o suficiente. Tinham umas térrinhas que amanhavam, oliveiras, uma pequena vinha, e um bom bocado de pinhal donde traziam os ramos secos para o lume, e o moliço para o curral das vacas. Poupavam os pinheiros para crescerem, porque teriam mais valor quando quisessem vender alguns.

Uma manhã por volta das dez, estava a Maria a amassar a brôa, quando pelo postigo da porta da cozinha o vê a caminhar para casa  a passos largos, parecia zangado... preocupada, correu para a porta.
- Então homem, que aconteceu? ainda à pouco daqui saíste... Mas tu não trazes nada, então que fôste tu fazer ao monte?
Eu; eu; eu nem sei que te diga... eu até venho tonto; nunca pensei. Canalha! Se eu o tenho encontrado lá no pinhal eu estrafegáva-o, ai de certeza.
- Mas quem?! Oh homem, fála que se me parte o coração só de te ver assim... Valha-me Nossa Senhora, fála...
-Aquele safado, roubou-nos dois pinheiros dos maiores, vê lá tu, vê lá tu...
-Quem ?
- Quem, pois, quem ? Tens razão. O tráste do Zacarias, grande ladrão... Ah, mas ele paga-mas, tu vais ver...
A Maria já apertava as mãos na cabeça...
Mas, admirada repetia; - o Zacarias? Não pode ser! Então esse é o homem mais rico da terra, ele tem três ou quatro pinhais, tem pinheiros com fartura, havia de ir cortar os nossos?!
Tu tens a certeza que foi ele?

-Pois é o mais rico, e também o mais sem vergonha. Foi ele; o  nosso Padrinho Felício viu tudo e contou-me, mas pediu muito segredo, porque com aquele animal todo o cuidado é pouco.

Fiquei sem pinga de sangue, parece que até cambaleava... mas depois sentei-me numa pedra na beira da estrada já aqui perto, e procurei acalmar-me, e depois  fui a casa dele.
- O quê homem, o que me estás tu a dizer, foste a casa dele, fazer o quê?
- Olha fazer nada! Mas ao menos procurei.
-Sabendo eu o bruto que ele é, fui com boas fálas e disse-lhe que os trabalhadores dele tinham feito a asneira de cortar dois pinheiros meus, secalhar sem ele saber, porque o meu pinhal era mais perto. E que ele não tinha culpa, mas tinha o dever  de mos pagar, enfim, eu lá fiz das tripas coração para me atrever a falar assim...

-Então, e ele?
-Ele? destratou-me, ofereceu-me porrada, e gritou-me  que saísse dali depressa, se não queria que ele me  assanásse os cães...  Aquele ladrãozão! Fiquei tão triste e até envergonhado... Eu é que ainda fiquei envergonhado vê lá tu. Mas com uma danação tão forte que ainda não me passou! Eu nem sei explicar o que senti e ainda sinto!  Ah, mas isto não fica assim! Não fica não! Ele ainda se há-de arrepender, isso te juro eu...

-Ai homem, não digas isso! Acalma-te, por Deus te peço que te acalmes. Ai que estou com o coração mais negro do que a noite, e apertado que nem ervilha sêca...

-Tem paciência mulher; mas olha, ir dar parte na Guarda, de nada vale, eles vendem-se pelos garrafões de vinho e de azeite que ele lhes dá, portanto nada a fazer, mas ele não vai ficar a rir-se de mim, isso te garanto, ou eu não me chame Manuel Silva.

Os dias iam passando e o Manuel não voltou a falar no caso. Havia porém uma alteração no seu modo de vida;  passou a ir todas as noites à taberna. A Maria reparava, mas não ousava falar, com receio da razão de tal comportamento.
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Entretanto a oportunidade esperada chegou:
O Manuel estava na taberna quando viu o Zacarias entrar. Fez que não o viu, e continuou a fumar o cigarrito habitual após o café. Daí a pouco pagou a sua despesa disse adeus, e calmamente saiu.
Caminhou pela ruela de chão de terra batida até chegar á enorme  figueira, velha árvore situada na borda do caminho, mas cuja copa enorme se dividia entre a terra de semeadura e a estreita ruela.
Subiu pelo tronco escorregadio e acomodou-se entre os ramos, e depois esperou. "Quem espera sempre alçança, diz o provérbio..." quando o Zacarias ia de regresso a casa, ao passar por baixo da figueira, ele saltou-lhe pra cima. Embora de muito menor estatura, com este ataque imprevisto atirou-o ao chão, e não lhe perguntou quantas queria, deu-lhe forte e feio, até o deixar ferido e inanimado. Depois, conhecedor do local, deixou a ruela, entrou na terra de semedura, e daí a pouco estava em casa.

O Zacarias homem de teres e haveres, detestado por muitos, e amado por alguns, tinha os seus conhecimentos, e mesmo sem testemunhas, o Manuel teve de responder perante um Juíz.

No dia da audiência ao ouvir da parte do Juíz a pergunta - o sr. confessa que bateu no Sr. Zacarias?
O Manuel imperturbável respondeu:- Meritíssimo Juíz, não bati! Mas confesso que gostaria muito de ter batido!
-Ainda por cima é petulante, comentou o Juíz a meia voz.

Bem, o Manuel apanhou dez dias de cadeia, secalhar pela petulância...

E lá foi cumprir, contrariado, e toda a aldeia lamentava o facto: "o ti Manel um homem tão respeitador, e foi posto na cadeia... Foi roubado, e ainda por cima está preso..."

A Maria, todos os dias palmilhava a pé os sete kilómetros, para lhe ir levar o almoço. Por volta do meio dia, de cêsta à cabeça, ela entrava na cadeia, sempre triste; não conseguia evitar, por ver o seu Manuel preso como se fosse um malfeitor.

Tinham passado cinco dias, já era noite fechada, e a Maria já tinha comido; sentou-se, ia tecer na camisola até que o sono aparecesse. Nisto ouviu bater suavemente na janela, e também a vóz do seu Manuel, quase um susurro: - abre Maria sou eu! Ela estremeceu... seria verdade? Esperou, ouviu de novo; já não tinha dúvidas, correu a abrir e aflita murmurou - Ah, Manuel, tu fugiste, Tu fugiste da cadeia! Ai homem, tu desgraçáste-te a ti e a mim... Vá-lha-me Deus, e sem palavras desatou em pranto.
-Está calada mulher, ninguém me seguiu, quando derem pela minha falta não sabem onde eu estou, e não veem aqui, não estejas assim nessa aflição.
Ela calou-se, mas sempre aflita não conseguia ter sossego. Já via os guardas à porta, e o seu Manuel no meio deles a caminho da cadeia outra vez, e o povo a ver... aquelas horas foram um tormento.

Amanheceu, e a Maria sempre previdente disse: - ó Manuel, tu daqui a bocado voltas prá cadeia, não é? Eles não te vão castigar, o guarda é tão boa pessoa, fálas com ele, vais ver que ele não te denuncía...
- Não vou nada prá cadeia, bem me custou lá estar estes dias parado, a olhar pró sete-estrelo. Eu não roubei nada a ninguém e nem matei, portanto não volto pra lá.  Ora vamos mas é combinar:- tu logo à hora do costume, vais na mesma lá à cadeia levar-me a comida, porque pra todos os efeitos tu não sabes de nada. Ouves o que eles te vão dizer; eu fico aqui em casa à espera de ti, e das novidades que me vais trazer, e depois logo se vê o que eu hei-de fazer...

A Maria chorou que nem Madalena enquanto preparou o almoço e o arrumou na cêsta, e depois partiu rumo à cadeia, como tinha feito nos dias anteriores, mas hoje além da  tristeza, ia cheia de preocupação e receios.

Quando a Maria chegou à cadeia, com a cêsta da comida, foi informada de que o marido não estava porque tinha fugido. Então é que a Maria deu largas ao choro e aos lamentos verdadeiramente sentidos. Já não ouvia ninguém, só gritava, e agora? o que vai ser de mim? o que vai ser dele?
O guarda da cadeia deixou-a desabafar a sua mágoa, e depois amparando-a  carinhosamente, sorriu e disse com ar amigo: - não chore mais, não se aflija, vá para casa, e quando ele aparecer, porque ele vai aparecer, diga-lhe que a partir de amanhã ele já está livre. É a ordem que aqui tenho.

domingo, 2 de novembro de 2014

Serão mesmo caprichosas?

São as Boas-Noites. 
Não apreciam o sol, e por isso as suas flores permaneciam fechadas. Só quando a noite chegásse, elas iriam abrir, e mostrar a sua singela beleza.